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Depois de alguns loooongos dias afastada deste blog safado, estou de volta. Então, pra você que achou que ele estava com os dias contados, o meu mais sincero "pãtz, você se enganou!". E como de boba eu não tenho nem a cara, agora o blog volta com colaboradores de primeira linha (porque de 5ª "catigoria" já basta eu!), entre eles o escritor Nelson Botter Jr. Chupa esse preguinho grosso e enferrujado!

Vai que é tua, Nelson!!

Ele acorda. Ela acorda. E a corda não arrebenta. Pode puxar, ela há de agüentar. Mais um dia, mais um mês, mais um ano, mais uma vida. Uma vida a dois, regada de dificuldades, mas que lhes proporciona colheitas espetaculares. Aprenderam os truques de um bom plantio. Nada sabem, é claro, mas sabem. Doeu aprender, mas como ele disse a uma querida leitora essa semana: "a dor é necessária", ainda mais quando o assunto é amor, que é quase um masoquismo, vai ver até é... vai ver e verá. Basta observar, estúpido cupido, as coisas boas da vida são sempre ligadas à dor, pois procuramos o gozo contínuo, a satisfação da insatisfação latente. E isso dói, como dói. Quem disse foi o velho do charuto, aquele da Rua Berggasse 19, nada tenho com isso e não aceito reclamações.

Uma vida a dois dói muito, e não são todos que suportam a dor, não senhor, alguns preferem sofrer em outra freguesia, cansam de assoprar o corte, resolvem lambem as feridas e seguem em frente, pois lá tem mais gente. Digo ainda: ninguém é obrigado a agüentar tanta dor, seja em que nível for. A corda arrebenta. Plac! Não há departamento de atendimento ao cliente que resolva. Para falar abobrinhas tecle 1, para choramingar tecle 2, para quebrar o pau tecle 3 ou permaneça na linha para falar com um de nossos novos divorciados.

Ele custou a aprender, ela também, tanta cabeçada, suturas por todos os lados, mas resolveram – apesar de todo o medo – encarar o desafio, numa era em que as relações estão ameaçadas pela alta demanda, pelo dinamismo que a superficialidade do mundo ‘ponto com’ nos oferece, pois são muitos os perigos que o poetinha de Moraes já via nessa vida e nas que virão. Mas havia tantas estrelas naquela noite, tudo escrito lá, no mapa desenhado sobre a cabeça deles, o frio beijava-lhes a pele e os astros morriam de inveja de tanta dor, ou melhor, tanto amor. As trevas não mais existiam, Neruda. Fiquemos juntos, disseram, e assim o fizeram.

E a dor faz jorrar o sangue, todos os dias, mas é preciso estancar a ferida com a ponta da faca incandescente, cauterização just-in-time, que traz o alívio, o gozo. Ele quer gozar nela, ela quer gozar nele, eles querem gozar no mundo, mas o mundo não quer gozar neles. Entretanto, se deixam levar pela dor, isso é amar, é ousar um salto no escuro, é confiar seu destino a mais do que apenas você, é permitir que a tampa feche a panela, é escolher um cúmplice para as piores e melhores horas, é sentir de verdade a razão de se viver por viver.

Dói, mas passa, por isso quem é feliz com essa dor recomenda. Quem não é feliz com essa dor tem inveja de quem é. Os mais bem resolvidos, que preferem convictos uma outra dor, a da solidão, no fundo querem morrer mergulhados na dor maior. E quem prefere fugir de todas as dores não sofre, mas também não goza. A pele vira látex, perde-se tanto do tanto, Byron, meu lorde.
Vá, leve adiante essa que talvez seja a maior das perversões, a prisão que liberta, a indefectível filosofia na alcova, o que nos torna rijos e pulsantes. Viva a dor de viver a dois e viva duas vezes mais. É um gozo só...

Nelson Botter Jr

 

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